Viciado em Cinema e TV

sábado, março 18, 2006

Crítica: Match Point


Nola Rice: I don't think this is a good idea. You shouldn't have followed me here.
Christopher Wilton: Do you feel guilty?
Nola Rice: Do you?


Se vos fosse dado a escolher, entre ser bom na vida ou ter sorte na vida, o que preferiam? Optariam pela "ilusão" de que aquilo que se obtem é a custo e mérito próprio? Ou preferiam aceita que existem situações que ocorrem de uma simples dualidade entre a sorte e o azar? Se assim fosse, estariam preparados para viver as consequências dessa mesma sorte?... Estas são algumas das questões que ocorrem durante este filme, no qual o argumento brilhantemente escrito por Woody Allen merecia ter recebido o Óscar de Melhor Argumento Original, não fosse o caso do autor ser estupidamente "persona non grata" nos EUA.

O conceito inicial da história é bastante habitual em filmes de Allen, um jovem ("Chris", antigo tenista profissional) entra por "acaso" no meio do circuito da classe alta de Londres, criando uma relação de amizade com um jovem que o dará a conhecer aos seus pais, e especialmente à sua irmã, com quem "Chris" estabelecerá uma relação amorosa. Com eles tudo corre bem, apesar de ele não ser como eles. Com eles, ele está seguro, apesar de viverem noutro mundo. Com eles, ele sente-se integrado, apesar de destacar-se. Com eles, ele tem futuro, apesar de viverem do mesmo passado. O contraste entre classes é fabulosamente demonstrado pelos pormenores mais subtis, sem nunca faltar ao respeito por qualquer das personagens.

A história só irá mudar de "rumo" quando "Chris" e Nola conhecerem-se. Sendo a "sua futura cunhada", Nola apresenta-se como uma figura semelhante a Chris, ou pelo menos, é isso que ele vê, e é isso que ele sente falta, e pelo qual acaba por sentir-se cada vez mais atraído!... É apartir desta relação amorosa que o rumo irá mudar, sem nunca ser incoerente, tornando-se num "thriller" sobre obsessão e desejo, onde a sorte e o azar competem entre si para "dar o próximo passo". O ritmo da narrativa é fluido, natural, e com a fabulosa habilidade de surpreender-nos, numa forma que em muito faz lembrar Alfred Hitchcock, embora Woody Allen seja sempre fiel ao seu estilo pessoal, não copiando de outros realizadores e géneros mas somente "bebendo" das suas influências!...

É espantoso como os EUA viraram costas a um dos seus melhores realizadores (Woody Allen), fazendo com o mesmo procurasse financiamento no Reino Unido. Allen já afirmou numa entrevista que apartir do momento que tentou financiadores noutro país conseguiu-os com a maior das facilidades. Por outro lado, isto permitiu representar uma Londres rica e cheia de pormenores, e associar ao projecto a imagem de classe alta londrina, que em vários aspectos é diferente da nova iorquina, a cidade original na primeira versão do guião!... Isso permitiu incluir um mundo com maior riqueza de costumes e "cultura", que permitiu desenvolver o conceito de contraste de classes sociais.

Quanto às interpretações, é de valorizar os três protagonistas: Jonathan Rhys Meyers, Scarlett Johansson e Emily Mortimer. Rys Meyers desprega-se completamente de outros papeis passados (como o caso de "Velvet Goldmine") com um forte imagem de ambiguidade sexual (feminino vs masculino) e usa a sua imagem para apresentar uma personagem com uma ambiguidade emocional muito forte (frio vs quente, alienado vs caloroso), "vítima" da sua própria sorte. O seu desempenho é um dos motores do filme, sendo determinante no sucesso do resultado final!... Johansson, por outro lado, é perfeitamente "a menina dos olhos do realizador", sendo ela o "elemento catalisador" de toda a acção. Encantadora e com uma maior maturidade na sua interpretação, consegue dar-nos uma perfeita ideia de que o facto dela chamar a atenção a muita gente é mais do que uma "moda", mas sim consequência de mérito próprio, e de uma entrega às personagens que interpreta. Scarlett incendia o ecrã quando surge, sendo ela a motivadora de uma das cenas mais arrepiantes do filme. Finalmente, Emily Mortimer é o elemento mais consistente e espantoso do filme. Não há cena em que a sua "Chloe" não transmita simpatia, empatia, perspicácia e a inocência "de quem vive numa frequência diferente". Esta combinação confere a Mortimer uma das personagens mais complexas (apesar da amparente superficialidade) e melhor compostas de todo o filme.

Filme poderoso, com uma narrativa viciante, subtil, coerente, fluída, e com interpretações que merecem toda a nossa apreciação. É um dos filmes do ano, e se justiça lhe fosse feita, teria sido pelo menos um dos nomeados para o Óscar de Melhor Filme.

Excelente
5 Estrelas

Nuno Cargaleiro @ 20:10


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